sábado, 19 de maio de 2018

Entrevista com Luiz Marfuz. (publicada por Nilson Rocha).


    


     Qual o seu nome e a sua profissão?

Luiz Marfuz, diretor teatral, dramaturgo, jornalista e professor da Escola de Teatro da UFBA. Mestre em Comunicação e Cultura e Doutor em Artes Cênicas pela UFBA.

Qual a tua área de conhecimento?

Teatro, Comunicação. Arte na Educação.

Você pode me falar um pouco sobre o que você conhece do teatro brechtiano, fazendo uma menção especial aos seus efeitos de distanciamento e ao termo gestus social?

Brecht tem forte influência no traçado estético-ideológico do teatro brasileiro, especialmente a partir da década de 60, com os grupos históricos como o Oficina, o Opinião e o Teatro de Arena, além do teatro universitário, e exerce, até hoje, um papel de relevância tanto na formação de atores quando na condução das encenações contemporâneas. Na Bahia, o teatro de Brecht dá referência para o teatro estudantil e para as companhias teatrais fundadoras do Teatro Vila Velha.

Comecei a fazer teatro como ator numa peça didática de Brecht (Aquele que diz sim, Aquele que diz não), ainda no teatro universitário da década de 70, muito vinculado ao movimento e a militância estudantis. Daí pra frente ele se tornou uma referência essencial em tudo o que faço, mais do que Beckett, que foi objeto de minha tese de doutorado.               

O encontro com o teatro de Brecht me permitiu entrar em contato com o método dialético, indispensável para dialogar com termos como distanciamento e gestus social. O primeiro remete à questão histórica. Para Brecht, distanciar é historicizar. Tomar distância de um acontecimento, colocando-o na sua arcada histórica e quebrando a ilusão que o teatro mimético promove entre ator e espectador. Consiste, enfim, em provocar no ator e no espectador uma atitude crítica e de investigação diante da ação representada, examinando-a numa perspectiva histórica. Assim, retira-se do acontecimento aquilo que parece natural, oferecendo-se, em troca, o espanto e curiosidade, como bem observa Gerd Bornheim, grande referência nos estudos da obra de Brecht.

O gestus social é objeto de muita controvérsia; mas para mim o gestus social só poderia ser entendido na perspectiva de uma classe em relação a outra; ou seja, o gesto de uma personagem de uma determinada posição social em relação a outra personagem de certo estamento social. Apontar o dedo, por exemplo, se tornaria um gestus social na medida em que a situação mostrasse quem e para quem se está apontando em determinada situação ou circunstância histórica, a partir das relações de classe.


Você pode me falar um pouco sobre o que você conhece a respeito das peças didáticas brechtianas?

As peças didáticas foram pensadas por Brecht como um modo de permitir aos próprios atores que as faziam uma compreensão sócio-política do mundo por meio do método dialético; ou seja, não importava tanto o resultado, mas o processo com os atores, ou alunos-atores. Mas as peças ganharam força como espetáculo e foram muito difundidas e montadas no Brasil a partir da década de 60, em plena efervescência político-institucional, na esteira da trajetória de grupos como Oficina,  Opinião,  Teatro de Arena, CPC; e depois nas Universidades, por conta do forte conteúdo político dos textos, que eram geralmente apropriados para a situação histórica que o Brasil vivenciava, especialmente durante o regime militar.  Mas até hoje elas têm papel de relevância na formação de atores e na condução de encenações no teatro profissional e em montagens nas escolas.

Você pode me falar um pouco sobre alguma experiência teórico/prática que você já realizou com discentes de escola pública ou ensino informal com essas peças didáticas?

Fiz duas montagens. Uma a partir de uma cena de “A exceção e a regra” – talvez a mais conhecida e eficaz peça didática de Brecht – que gerou o espetáculo Meu nome é mentira. Foi a montagem de formatura da turma de Interpretação de 2010, ainda no tempo do Módulo Curricular. E outra com os alunos do curso de Licenciatura da Escola de Teatro, que foi o resultado da aprendizagem de um semestre inteiro, uma vez que todas as disciplinas, naquele modelo de currículo, convergiam num único semestre para uma determinada estética, poética, movimento artístico ou encenador.

A mostra se chamava Quanto custa um homem? e reunia trechos de várias peças didáticas de Brecht com os chamados songs, as canções que interrompiam o fluxo do texto, criando-se camadas de distanciamento. Eu diria que, em ambas, o processo de formação do ator se foi estabelecendo como um modo de conhecimento do mundo brechtiano e da dialética, sendo que em Quanto custa um homem? o foco central era exatamente esse aprendizado; enquanto que em Meu nome é Mentira, por se tratar de um espetáculo de formatura em Interpretação, tínhamos um olhar maior na encenação, com música ao vivo, e fizemos uma longa temporada. Este espetáculo ficou em cartaz durante sete meses, em vários teatros da cidade, e teve 4 indicações ao Prêmio Braskem de Teatro (Texto, Atriz, Espetáculo, Direção e Direção Musical).

Qual a importância de se praticar as peças didáticas brechtianas com o ensino médio de escolas públicas nos dias atuais?

Incomensurável. Os tempos mudam, mas Brecht continua atual, vibrante, provocante. É uma forma de os alunos de Escolas públicas entrarem em contato com um modo de teatro bem diferente do que ele vê no dia a dia, nos filmes, novelas etc. Mais do que isso é um modo de promover uma grande reflexão sobre a função do teatro, o lugar dos alunos na sociedade, o contexto da Escola na educação pública, abrindo-se, assim, novas portas de percepção social.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Entrevista com Alfredo Junior e Cleiton Silva


Entrevista com:
Alfredo Junior e Cleiton Silva diretor e ator do grupo de Teatro Farinha Seca de Euclides da Cunha – BA



por Jamile Cruz. 



O que vocês entendem por materialidade e fisicalização?


Respostas:     

Alfredo: A todo tempo que estudamos o texto para montar o espetáculo pensamos de que forma física e visual a gente pode fazer uma leitura abrangente daquela obra e de que forma aproximar tanto o ator quanto a plateia de um resumo rápido da obra. Aí ficamos nessa busca de objetos, sendo ele mais um personagem. A gente vai envolvendo eles e nos envolvendo por eles, como se nosso corpo se completasse com a materialidade.
Cleiton: Alguns objetos são eleitos no inicio do processo para uma determinada investigação ou para o próprio espetáculo. Descartamos ou não ao longo do processo e através deles trabalhamos tanto ele dentro da narrativa quanto na relação com o ator. O próprio ator pode, também, trazer ou sugerir um objeto e torná-lo sagrado para ele dentro no processo. Tenho como exemplo a montagem Dom Quixote, onde a narrativa é permeada por historias de cavalarias e é através do cavalo que cada ator construiu uma postura, uma ideia que se tinha de cavalo, já com as informações e as imagens de cavalo que cada ator possuía, porém nunca como uma imitação fria, mas sim como esse cavalo se porta dentro do corpo de cada atuante. Depois da investigação chegamos a uma partitura e posteriormente a uma cena onde eles apresentavam o animal. Usamos também nesse processo objetos invisíveis, que estão na nossa realidade ou somente na própria imaginação não tendo leitura exata, mas que sempre é fiscalizado e usado como cenário ou no corpo do ator em algum gesto ou palavra.
Alfredo: Há um objeto muito marcante e bem físico no espetáculo Senhoras dos Afogados, que é o candeeiro e a malha, são objetos muito presentes e de grande utilidade, pois os mesmos não estão ali em vão. Trabalhamos muito com a ideia de que todos os objetos em cenas são utilizados e mesmo se não forem tocados eles tem uma historia ou um motivo para estarem ali.
Cleiton: A própria leitura de um texto dramático já é fisicalizar. À medida em que eu falo e meu espectador consegue visualizar a fisicalidade da palavra. Acho que ultrapassa a palavra quando ela é dita e não está ali morta em uma página. Ela é fisicalizada e transformada em um objeto e assim fica o jogo entre o ator e o espectador que pronuncia e ouve, sendo esse intervalo entre ator e espectador a criação de um objeto através da palavra, mesmo que não haja objeto.

Qual a relação dos alunos/atores e atores profissionais com o uso dessa materialidade?

Respostas:

 Alfredo: Quanto mais você utiliza o objeto e a imagem com o aluno mais próximo você o deixa ciente do assunto. O objeto é um recurso visual importantíssimo que nos auxilia muito.
                                  
                                    O trabalho como o texto é suficiente?


Resposta:
            
Cleiton: Não é suficiente, mas é muito importante, principalmente porque estamos falando tanto de iniciantes quanto de atores profissionais. E no caso do projeto Casa de Farinha que ministramos e buscamos fomentar a leitura, é importantíssimo, uma vez que o contato com o texto já tira aquela áurea de que a leitura é algo chato.


Como é a estética do trabalho de vocês no grupo e com os alunos no ensino formal e alternativo?


Respostas:
             
Alfredo: Na escola é preciso chegar com muitas propostas, é preciso sentir a vibração da turma e assim ir descobrindo o que mais funciona para chegar até eles. Fazer um diagnóstico rápido, cutucar e causar conflitos, pois fazem indagações que trazem resultados. Ás vezes é assustador levar logo de início um conflito, mas ele é positivo, dependendo muito da turma. A ideia é trazer o cotidiano de formas diferentes, buscar a atenção deles e colher deles para depois jogar em roda sem que eles percebam.
             A estética do grupo Farinha Seca é também o conflito e a busca constante do novo.
Cleiton: Como nós temos um projeto de iniciação teatral fora e que pertence, também, ao grupo, cada ator sendo diretor, traz para o grupo suas experiências como diretores. Isso já causa certo conflito ou estranhamento, pois aquilo que é ditado pelo diretor, ás vezes, não é acatado pelos atores que também são diretores. Isso deixa a identidade do grupo mais hibrida, com uma multiplicidade de vozes. Não dá para definir qual é a identidade do grupo. Cada um tem uma estética e todas elas juntas nem sempre são harmoniosas.






segunda-feira, 2 de junho de 2014

Entrevista com Francisco André

Entrevista com:
Francisco André
Membro do grupo de Teatro Finos Trapos.

por Joseane Santana


Numa tarde ensolarada, um bate papo com Francisco André Sousa, ator, dramaturgo e professor, que há 11 anos faz parte do grupo de teatro Finos Trapos. Sentados num canto do casarão da Escola de Teatro, iluminados pela luz da grande janela ao nosso lado, conversamos durante pouco mais de 30 minutos, o celular nos ajudou na gravação do diálogo, que correu solto e tranquilo...

FRANCISCO: - Então, sou Francisco André, membro do grupo de Teatro Finos Trapos, estou terminando a pós-graduação agora aqui na UFBA, que tem relação com a pedagogia do teatro.
JOSEANE: - Francisco, o que é que você entende por materialidade no teatro?
FRANCISCO: - Materialidade, particularmente eu acho que materialidade é uma das propriedades mais interessantes do teatro, porque como sou dramaturgo também, eu acredito que o texto dramático, ele é em si uma arte, mas o teatro em si, o fenômeno teatral sem essa materialidade ele não existe, não é? É importante e é interessante que todo o encenador ou todos os atores pensem em como que o espetáculo ganha corpo, como que o texto ganha corpo, como a dramaturgia que não é só o texto dramático, a luz, o som, tudo isso ganhando forma na cena, eu acho que essa é uma especificidade do teatro, que lida com o efêmero também, e que é fundamental, pra mim é um dos pilares, o como o teatro se materializa para mim é fundamental, é... é... uma das bases de tudo que eu acredito como artista.
JOSEANE: - E o que você entende pelo termo fisicalizar?
FRANCISCO: - Fisicalizar. Eu acredito que quem fisicaliza, e isso eu falo como professor, não só como ator, mas o encenador, o dramaturgo que já participou como ator vai ter mais propriedade para entender como isso chega no ator, no interprete. Então fisicalidade para mim é também uma forma de materialização do teatro, como que eu posso traduzir em palavras, ideias no corpo e como que esse corpo, ele está preparado pra, pra aguentar esse espetáculo. A gente teve no meu grupo, por exemplo, um espetáculo chamado Genésius que estreou em 2009, que tinha quase três horas de duração e uns princípios de corpo baseados na pré-expressividade, em Eugênio Barba. Então os atores ficavam o tempo todo em desequilíbrio, em posições desconfortáveis, tinham que pular, subir baús, descer baús e se movimentar, então esse corpo que é, que foi utilizado no espetáculo, deveria estar preparado. Sem pensar esse corpo, se a gente não pensa como esse corpo vai se materializar no espaço, a gente não consegue concebe uma ideia. E, o teatro é isso, o teatro é a fisicalização de uma ideia, de ideias não é? É o diferencial do teatro, que o contato direto com o público, é um ator; é... Grotowski mesmo já dizia que o teatro só pode acontecer, quando existe um espectador e um ator, então é um dos grandes pilares, e não é a toa que cada vez mais o teatro, ele está colocando o ator em primeiro plano, o corpo em primeiro plano. É... antigamente, fazer um bom teatro, ser um bom ator, era o ator que falava muito bem, que tinha uma oratória muito bem trabalhada, hoje em dia é justamente o oposto, é o ator que tem o corpo muito bem estruturado. Então é fundamental, e eu acredito também que é fundamental.
 JOSEANE: - Francisco, como é que você descreveria a relação dos objetos em palco, com os corpos em palco?
FRANCISCO: - Sim, é, eu falo muito isso com os meus alunos, de iniciação, que assim, muitas vezes a gente como encenador, como um artista iniciante a gente começa a pensar os elementos da cena como gosto pessoal do artista, eu gosto de verde, então eu vou colocar verde no cenário, e não é assim! Pra mim todo o material cênico, tudo que é de adereços, que vem a ser acessório do espetáculo, é também uma forma de comunicação, tudo ali são signos, o teatro ele é, é ... Renata Pallottine, algumas dramaturgas falam do texto, da textualidade do teatro, que não é só simplesmente o verbo, mas texto é mensagem, então o corpo, a iluminação, o corpo, os adereços, tudo que é disposto em cena e está emitindo um código, um texto. E se nós artistas colocamos isso de qualquer maneira vai ser desnecessário, vai ser só acessório, Se o teatro é uma das coisas fundamentais que falei no inicio, que é o ator e o espectador, tudo que eu coloco a mais sem um sentido vai esvaziar do sentido teatral, então tudo tem que ser bem pensado. Se não existir um pensamento por trás disso, acaba que perde-se o sentido do que a gente fala do discurso cênico, não vai existir um discurso cênico, é... elaborado, direcionado.
JOSEANE: - E você acha importante o uso da materialidade no percurso criativo? Por quê?
FRANCISCO: - Isso é uma das coisas que principalmente a gente do teatro, que acredita no teatro de grupo defende muito, que é o seguinte, muitas vezes a gente pensa, é... tudo que é material, tudo que é o cenário, os adereços, , tudo que é acessório, os elementos da cena, como últimos elementos que entram na encenação, primeiro tá sempre o ator e o diretor, e tudo vai sendo composto depois, só que de certa forma a gente desprivilegia a criação, então tanto a produção, como a construção do figurino, a construção de cenário, tudo tem que ser passo a passo com a cena, enquanto a gente está erguendo o espetáculo na sala de ensaio, a gente também precisa estar erguendo esses elementos, não é? E aí, isso sublinha a importância, porque se a gente deixa para a última hora, a gente não vai ter tempo de pesquisar, de ver quais são os... por exemplo, no figurino, que material vai afetar mais na iluminação, se não existe uma pesquisa, que vem acompanhando a cena, ai a gente pode pensar num figurino que é lindo, maravilhoso, mas que no corpo do ator, o deixa totalmente desconfortável, ou então não comunica a ideia do que a gente que fazer.
JOSEANE: - Francisco, aproveitando que você tá falando de figurino, de cenário, você consegue descrever para mim um pouco da estética do trabalho do seu grupo?
FRANCISCO: - Sim
JOSEANE: - E, como é que vocês trabalham, desenvolvem o percurso criativo, em que vocês acreditam?
FRANCISCO: - É, o Finos Trapos agora, a gente está num momento de transição estética também, forte. E na verdade isso vem de um mergulho; o grupo ele lida muito com a pesquisa, a gente... um dos pilares do grupo é a pesquisa cênica, é... a gente começou com a estética de sussurros, por exemplo, que não teve relação muito direta com os outros espetáculos que era mais baseado no contemporâneo, na estética da urbanidade e tal, que é uma coisa que meio que fugiu dos trabalhos posteriores. É, a partir de 2005 a gente começou a entrar nesse universo da Cultura Popular, a maioria das pessoas do grupo são oriundas do interior do estado, de Vitória da Conquista alguns, outros são de Feira de Santana, então existia um imaginário sertanejo, popular, esses valores regionalistas muito fortes, e assim é... a estética do grupo surge exatamente quando a gente vem para a universidade, que a gente vem para Salvador, que é uma capital cosmopolita, antropofágica, tudo que chega aqui ganha inúmeros códigos e a gente em do interior que tem uma, de certa forma, tradicional, tradicionalmente fechado para algumas coisas, então esse conflito quando a gente chegou, e viu que em Salvador a maioria dos grupos tem uma relação muito forte com a... africanidade, com os elementos da Cultura Africana, que destoa um pouco do que a gente veio, do que é a... do que veio a nossa formação... E ai a gente como grupo se constitui exatamente dessa inquietação, de como fazer um teatro que defenda os ideais que a gente faça, porque o Teatro do Bando já é consolidado, e é maravilhoso, mas o que a Finos Trapos tem a dizer? E a partir de que elementos estéticos? E aí foi que a gente começou a mergulhar na cultura de tradição popular do Sudoeste baiano, nesses elementos ligados ao sertanejo, a cultura católica, patriarcal; então vários dos nossos espetáculos falam sobre isso, sobre esses elementos, mas assim, respondendo a segunda pergunta, o que é que impulsiona o grupo, eu acho que muito além de uma estética é o trabalhar junto, na verdade a gente se escolheu, a gente se conhece há um bom tempo. Começamos a fazer, a maioria, teatro juntos lá em Vitória da Conquista, então a gente quando veio pra cá foi uma... o que impulsionou a vinda para Salvador foi justamente a necessidade de se aperfeiçoar e tal, a gente não queria perder o vinculo, que tem muita gente que chega não é, e sozinho, e cada um quer seguir seu caminho e a gente não, a gente não queria perder o vinculo e aí de certa forma, a gente se reuniu pra isso e pensando em resgatar mesmo tudo aquilo que a gente já trabalhava em Vitória da Conquista. Então é mais ou menos esse o imaginário e agora a gente tá num momento de não abandonar, não é que a gente está abandonando esses ideais da cultura de tradição e tal, mas a gente está dialogando, e ... hoje o objetivo não é fixar certos clichês, certos estereótipos, é justamente de ... a pesquisa, esse conceito da pesquisa ajuda muito a gente, porque de certa forma essa tradição ela vai se contaminando com o tempo e vai se mudando. Por exemplo, a gente tá num novo processo de montagem, que vai estrear esse ano que a gente está dialogando tanto esse imaginário do sertão com a estética do realismo fantástico, que vem lá... é uma cultura mais da America Latina com Gabriel Garcia, e que de certa forma traz muitos elementos que dialogam com a cultura popular do Brasil. São pontos, a gente está vendo que elementos dessa estética podem dialogar com o que o grupo já faz, e quais as inquietações novas do grupo. Então é isso, a gente tá sempre se renovando.
JOSEANE: - É, e como é que vocês trabalham com a materialidade no processo de construção das cenas, dos espetáculos, da própria pesquisa.
FRANCISCO: - A gente trabalha com núcleos, todo é... a gente tem um certo clichê de grupo que vem da criação coletiva, que todo mundo faz tudo ou todo mundo sabe de tudo, não! Todo é... as pessoas do grupo, a gente, cada um se especializa no que mais gosta de fazer, por exemplo, eu gosto muito de escrever e gosto muito de dramaturgia, então eu passei a fazer parte do núcleo de dramaturgia do grupo. Assim como outras pessoas, como Roberto, como Frank, quem gosta muito da seara da produção se encaixa mais no núcleo de produção, e ai vai contribuindo a partir das suas especialidades, então Yoshi  é mais do visual, do elemento visual da cena, e ai é...  a gente vai colaborando, ele puxa, é como se ele fosse um coordenador e é ele que propõe os desenhos de cenário, de figurino e aí a gente compra a ideia, discute... Aperfeiçoa e ajuda a executar, cria estratégias para aquilo, então é... importante ressaltar também que a gente não trabalha só para espetáculos, então esses núcleos estão trabalhando independente de ser para um projeto de espetáculo específico, então as vezes a gente não está com o projeto, mas a gente está dando oficinas internas, ou oficinas com convidados, está sempre nutrindo o grupo e busca-se a materialização se dá justamente nessa articulação entre esses núcleos e o grupo como um todo, por isso que a gente trabalha com o processo de colaboração.
JOSEANE: - Me diz assim como é que o grupo já seria bem mais amplo, como é que o grupo enxerga, você até já respondeu de certa maneira, como é que o grupo enxerga essa materialidade, materialização dentro do processo criativo, além dos núcleos, a gente pode pensar no processo novo, agora de vocês, como é que ele, o grupo, pelo menos respondendo parcialmente, como é que o grupo vê isso?
FRANCISCO: - Sim, sim, primeira coisa, a gente sempre, em todo processo de criação a gente tenta é... buscar uma rotina de trabalho, cada espetáculo vai criar uma rotina, pra quê? Pra que a partir dessa rotina a materialização comece, a criar, consciência de tentar criar uma atmosfera criativa, para que as coisas comecem a fluir, então esse PE um procedimento que desde os primeiros espetáculos a gente vem fazendo. E ai tanto no sentido de corpo, numa preparação de corpo, numa rotina de aquecimento, de alongamento, e também uma rotina de improvisação. Então cada processo vai de certa forma condicionar a forma como essa materialização vai ser efetuada, então... mais assim, uma dos pilares é, quase nunca se começou por um texto, o grupo trabalha com o processo de autoria, a gente já trabalhou com alguns textos prontos, como o Auto da Gamela, por exemplo, mas assim, a gente abandonava esse texto, ia pra cena, depois da cena, depois de um determinado tempo, em que algumas células estavam materializadas é que a gente vinha, pegava o espírito da obra e depois que vinha o texto, não é? A gente não tem como alguns grupos ou alguns diretores que acabam fazendo trabalho de mesa, de ir pra mesa bater o texto e depois ir pra cena, é justamente o oposto. A gente começa na cena, materializando a cena e depois vai ao texto, ou o texto vai surgindo, vai escrevendo, como a gente tá fazendo agora, os atores improvisam, eu como dramaturgo, eu, eu... proponho um conto ou uma celulazinha de cena, eles improvisam e a partir da improvisação a gente fixa o texto, entende? E isso acontece não só com o texto, to falando do texto, porque como eu sou dramaturgo, é mais a minha seara, mas com qualquer um dos elementos da cena, com figurino, com maquiagem é sempre assim.
JOSEANE: - Vocês já começaram um processo usando objetos ou usando uma música? Você falou do inicio com o conto, vocês já começaram usando alguma coisa além disso?
FRANCISCO: - Olhe, música, a gente usa muita música, o grupo é muito musical, então... é... inclusive a gente está fugindo um pouco disso agora, essa estratégia mesmo dos contos, como a gente tá trabalhando com o texto que é de Gabriel Garcia Marques que é um texto que já existe, é um conto, não é literatura dramática. Mas ai a gente pega uma parte desse conto e leva pra cena, mas já aconteceu, por exemplo, da gente usar músicas, usar imagens... A gente tem um processo que é de debater conceitos, por exemplo, quando a gente já começa; existem várias formas de começar um processo, uma delas, por exemplo, é eleger um tema, a gente quer falar sobre... é... sobre sexualidade, então a gente vai ler sobre esse tema, vai ver alguns artigos, algumas matérias de jornais, então são elementos que vão enriquecer esse imaginário pra depois se materializar. Então são várias estratégias, não existe uma única assim, como eu falei, cada processo, se você quiser eu posso descrever cada processo, de cada espetáculo, cada um é bem particular, então a cada decisão... Se o que a gente quer montar, é um texto pronto? A gente vai estudar esse texto. É um tema, é um imaginário? Como foi Genesius, a questão da meta linguagem do ator, do processo de criação a gente vai mergulhar nesse tema, vendo vídeos, cinema, ouvindo músicas, contos, muito rico, cada processo é... de certa forma, ele se rege...
JOSEANE: - E... eu já me perdi totalmente nas perguntas! (Risos) É, você, eu acredito por estar ouvindo você, que essa pergunta é até repetitiva. Todas essas materialidades que você citou, traz como materialidade, você diria que elas traduzem o trabalho do grupo, que elas são indispensáveis para o processo de vocês?
FRANCISCO: - Sim, sim... Absolutamente, porque a gente até já publicou alguns textos dramáticos dos processos do grupo, mas ainda assim isso não diz. Se você ler, por exemplo, saindo até um pouco do grupo, mas... vendo fora assim, tipo ... Édipo Rei! Édipo Rei ele traz um imaginário, mas cada montagem, não é? Cada montagem que a gente vê, se a gente vê Luiz Marfuz montando Édipo Rei a gente vai ver uma materialização diferente, um discurso cênico diferente, uma poética de encenação diferente, e outros diretores, então isso no grupo é fundamental, porque é a marca. A materialização, como o espetáculo se materializa é de certa forma como a identidade do grupo se idealiza, se materializa. Então sem isso com certeza os Finos Trapos não seria os Finos Trapos, assim como A outra não seria A outra; e eu acho que é uma busca de todo grupo de teatro, é justamente essa contradição na verdade, entre as suas marcas, as marcas que definem o grupo e o que o grupo quer de renovação, é... sair da tradição dos cânones e sempre ir buscar o novo, o novo, então como, é um paradoxo na verdade não é? Como é... manter a tradição, os rituais tradicionais e se alimentar, se retroalimentar, não se repetir, esse é um grande desafio, mas eu acho que é... traduz sim, tudo que a gente construiu hoje de espetáculo, tanto bom, como ruim, e a gente é muito autocrítico nesse sentido de ver, por exemplo, que Genesius foi muito bom e Berlindo, que é o último não foi tão bom, ou que de certa forma não traduzia as nossas inquietações, então tudo isso, até a forma, a decisão de que esse espetáculo continua ou não, parte daí, porque o teatro é sempre uma ideia, não é? A gente começa, é um ponto de partida depois que essa ideia se materializa, sim a gente, isso traduz a gente, essa materialização do que foi a ideia traduz a gente ou não traduz? Se traduzir, enquanto continuar traduzindo a gente vai continuar em cartaz, e quando não traduzir mais a gente para, não é? Ai, tá por ai, ai ... um grande exemplo. O Grupo Galpão que tem 25 anos de história, mas que no seu repertório atual tem três, quatro espetáculos... Então chega um momento que a... se esgota essa paixão pelo espetáculo , ela se esgota! E é natural! Ai você parte para outras, ... outras formas de materializar, podemos dizer assim.
JOSEANE: - É... eu estou começando a achar que as minhas perguntas estão todas repetitivas (risos).
FRANCISCO: - Não, estão ótimas...
JOSEANE: - É... você acha que o grupo, o grupo em si, você não... o grupo considera o processo de montagem de vocês lúdico?
FRANCISCO: - Lúdico?
JOSEANE: - É. Lúdico!
FRANCISCO: - Depende, é assim... lúdico sempre é, porque é sempre encantador, a gente faz teatro pela ludicidade, a gente... é... muito difícil a gente se vê, o grupo Finos Trapos se ver fazendo por obrigação, a gente não faz por obrigação, então é lúdico, é prazeroso, é gostoso, é ... ao mesmo tempo que o elemento jogo, o elemento da ludicidade está muito, é uma... eu acho que de qualquer, não só do grupo, mas de qualquer procedimento criativo, a ludicidade é muito, ela é o que a gente chama de dispositivo, muito bom, né? Porque é de certa forma como a gente dá, materializa uma ideia sem ser racional, no sentido de tentar condicionar, deixar... é... e ipsilítere, eu quero que a ideia seja assim, porque a gente pode pensar, por exemplo, em.. eu quero que chova no meio do espetáculo, mas ai a gente chega na hora da materialização, não consegue, porque não tem os recursos pra aquilo, então os jogos de improvisação, os jogos lúdicos de certa forma vão dar outras possibilidades, vão racionalizar ou dar outras possibilidades para aquela ideia acontecer. Então, é sim! Todo processo do grupo é lúdico, mesmo quando é um espetáculo denso, que é dramático, mesmo que o tema do espetáculo seja um tema difícil como esse que a gente tá trabalhando agora que é exploração sexual infantil, então o tema não é nada de lúdico, mas para o processo de criação a ludicidade, ela é fundamental, não é? Para criar, para que até essa densidade, para que ela não fique no clichê, no corta pulso.
JOSEANE: - Francisco, você falou pra mim um pouquinho sobre o texto, e que você é dramaturgo, que você faz parte do núcleo de dramaturgia do grupo.
FRANCISCO: - Sim.
JOSEANE: - É, eu queria que você falasse um pouquinho, como é inserido, e você falou até um pouquinho, mas como é inserido o texto durante o processo, como é que ele é utilizado, se você considera ele como materialidade e onde é que se encontraria a ludicidade dentro desse texto.
FRANCISCO: - Sim, É... é... eu tenho essa visão de... é uma materialidade sim! O texto em si é teatro, o texto dramático ele não é teatro, ele é um texto... literatura dramática, é algo material, palpável, inclusive concordo com alguns diretores, que algumas montagens, por exemplo, até estragam o texto, não é? Porque eu sou apaixonado por texto, no sentido de ler mesmo, de nossa... Édipo Rei eu fico ali, quando a pessoa tá fazendo a montagem eu já sei de todo o texto, porque eu sou apaixonado pelo texto, então é... existe a materialidade, mas também existe a materialidade da encenação, então como esse texto dramático vai dialogar com essa encenação é o que é o interessante. E ai é um meio termo, é... o texto, ele não pode ser...aberto... ele não precisa ser abandonado completamente, mas ao mesmo tempo que é, quando a gente fala de dramaturgia, quando a gente fala dele, a gente fala do todo, não é simplesmente o texto em primeiro lugar. No caso do grupo Finos Trapos o texto nunca é o primeiro plano, a encenação é o primeiro plano e ai depois emerge o texto dramático. É... esse diálogo é que é a nossa viagem, é justamente esse diálogo. E por isso é que a gente não tem como ponto de partida a leitura do texto. A gente sempre faz o movimento oposto, porque é através da fisicalização deste texto, é que essa materialização vai ocorrer. E... também é lúdico, porque como eu falei, eu sinto prazer em ler um texto dramático, ao mesmo tempo que eu sinto prazer em vê-lo ganhando corpo. Principalmente para o dramaturgo, é uma das coisas que o dramaturgo mais adora é (risos) ver o seu texto sendo encenado, e outra, agora é diferente, como eu falei, o dramaturgo idealiza um texto e faz inúmeras cenas na encenação, o próprio diretor tem autonomia, o grupo tem autonomia de cortar cenas ou de modificar, de improvisar novas possibilidades, então é entender que como dramaturgo e talvez como leitor também, que aquele texto que está sendo lido, que aquele texto que tá ali fixado, ele, ele não é imutável, entendeu? Ele não é a palavra final de ordem, ele é um elemento como a luz, como qualquer outro, e que pode sim a partir da montagem ser modificado completamente.
JOSEANE: - Bom! Pra gente terminar, e eu te deixar em paz (Risos)!
FRANCISCO: - Oxe! Relaxe!
JOSEANE: - Qual é a relação dos membros do grupo, do elenco? Agora que eu já sei também.. dos núcleos...
FRANCISCO: - Sim
JOSEANE: - Depois eu até queria que você falasse pra mim se vocês participam de mais de um núcleo ou se cada um só faz um núcleo, já falando nessa relação, e se vocês acreditam que essa relação, você no caso não é? Respondendo pelo grupo... Se vocês acreditam que essa relação, ela afeta na construção do espetáculo, ela afeta na formação do grupo. Eu acho que no grupo você já me deixou bem claro que sim, não é?
FRANCISCO: - Sim, demais!
JOSEANE: - Vocês escolheram estar juntos, e por quê? Em que ela afeta? De que maneira ela afeta?
FRANCISCO: - Demais! Assim a relação do grupo, é uma relação até complicada, muito complicada, porque relação pessoal e relação profissional elas se imbricam totalmente assim, então a gente se... é um grupo que é diferencial até porque muitos grupos não são assim, que estão ali a trabalho e cada um vai para sua casa, mas não a gente tem a vida pessoal muito relacionada, então isso afeta demais, diretamente... O processo, porque imagine... eu estou ali em um processo de criação, nem estou falando na cena mesmo, mas na construção do espetáculo, então você está ali com seu espírito criativo que tem que estar sempre aberto, e ai você tem que... ai você acabou de discutir pessoalmente com o colega, certo? Então não tem como não influenciar, é claro que existe o limite do profissionalismo não é, mas é... isso interfere positivamente e negativamente ... eu diria que de certa forma é uma, é até uma forma de auto ajuda esse conhecimento do grupo, porque? Porque como a gente convive há muito tempo, a gente sabe até dos vícios, é e a gente tem essa compressão de que não é só o diretor, o encenador que dá a palavra, e ai vem do processo colaborativo, por exemplo, se a gente tá percebendo que o colega não está correspondendo com a cena, ou se você tem uma ideia para iluminar, a cena tá em crise e ai você tem uma ideia que pode ajudar, a gente tem todo o espaço pra isso, então é um espaço muito propositivo, e já é uma resposta pra o que você falou dos núcleos, é... os núcleos é uma forma só de é... racional de tentar se organizar, de rolar uma tentativa de organização (risos), porque você imagine você produzir é... e ainda encenar, é por isso que a gente não entra tanto em cartaz, porque o grupo ele topou esse desafio da auto gestão, o que não é nada fácil... De correr atrás de edital, de não ter uma pessoa especializada nisso, é o grupo todo que faz, então de certa forma isso afeta até, porque quando a gente vai pra cena, a gente já tá tão cansado dessa correria da produção, que de certa forma o desempenho ele diminui ou pode aumentar, ou melhorar porque você tá tão ali, você agarra muito mais.  Exatamente! Agarra muito mais o que você faz! Isso é lúdico? Sim! Existe... é um universo que, como eu falei, que é difícil você separar, então não há um... tem momentos que a gente está num ambiente profissional que a gente está soltando piada, que a gente para o processo pra rir, pra falar da vida dos outros (risos), pra falar da vida de cada um. Então tem muitas piadas internas, é um grupo meio até hermético, porque quando as pessoas vêm trabalhar com a gente, de certa forma a gente já tá, de certa forma já sabe como olhar e... com o olhar a gente já percebe o que a pessoa pensa (risos), ou quando a gente está num momento de produção mesmo, como quando a gente fez afinações, um problema aconteceu, eu to lá falando, mas eu to aqui oh! Observando tudo! Então ninguém precisava falar, dizer é... oh tá acontecendo alguma coisa! Ou então, olha o tempo! Corre com o tempo! Através de um olhar a gente já se comunica. Então, isso é muito bom, isso ajuda muito no processo criativo.
JOSEANE: - Quanto tempo de grupo já Francisco?
FRANCISCO: - Dez anos! A gente completou dez anos em junho do ano passado, esse ano vai fazer 11 anos do grupo.
JOSEANE: - Com a mesma formação inicial?
FRANCISCO: - Não! A formação ela modificou, hoje nós temos seis pessoas que são ativas em Salvador e nós temos dois membros afastados, porque eles estão no interior, que é Roberto e Thiago, Thiago não, Ricardo, Roberto tá na UESB em Jequié e Ricardo tá em Vitória da Conquista; então a relação é meio complicada, por isso até que a gente não volta muito com repertório, porque existe uma disponibilidade, que é necessária e tal, e tem até Dane que é membro também afastada, mas que está em São Paulo agora. Então sempre que têm projetos grandes, ai a gente faz toda uma articulação pra a turma voltar e tudo acontecer, mas, por exemplo, o processo de montagem agora, novo, são só com seis pessoas. Então o núcleo fixo de produção e de articulação agora, são seis pessoas.
JOSEANE: - Então são seis pessoas pra tudo?! É porque eu sou de interior também, então são seis pessoas pra tudo!
FRANCISCO: - Exatamente!
JOSEANE: - Do inicio ao fim!
FRANCISCO: - A gente encontra alguns parceiros, que a gente chama de fino colaborador, (risos), porque ele na hora do aperto, a gente tem... ou tem um projeto chama; mas são seis pessoas pra tudo! São as pessoas cabeças assim, que administram tudo.
JOSEANE: - Nesses dez anos já teve alguma coisa que aconteceu assim, que o grupo desandou, rolou algum problema muito grande que desandou e vocês acharam, e agora vai acabar!?!
FRANCISCO: - Já! Já! Várias vezes, várias vezes, isso eu acho que faz parte da dinâmica de qualquer grupo, mas uma... uma... até recente agora, por exemplo, foi logo depois de Genésius, foi em 2009, que Roberto que é o encenador, que era o encenador de todos os espetáculos do grupo, porque ele foi aprovado no concurso em Jequié e teve que mudar pra lá, e realmente não tem como ir e voltar sempre... É... a vida pessoal e a vida coletiva, ela é... uma decisão pessoal ela implica totalmente no coletivo. Então imagine, o encenador, que é a pessoa que você confia, é a pessoa que... o líder de certa forma, o grupo não tem um diretor do grupo, um diretor do grupo, existe um diretor artístico, um encenador que no caso, quem cumpria esse papel muito forte era Roberto, então quando ele saiu a gente ficou muito desestruturado mesmo assim, ai a gente teve que refazer, ressignificar o grupo no sentido de... o que é que a gente pode fazer dentro das limitações, tanto limitações financeiras... É... estruturais, de agenda, tudo! Então foi um momento assim de... um choque muito grande, e ai até falo na minha dissertação que Berlindo, que foi o último espetáculo que a gente fez em 2010, é um reflexo disso. Porque foi justamente no momento em que o grupo estava nessa crise de... o que é que a gente faz? Para tudo agora? Quem é que vai sair mais, quem não vai sair? Então saíram duas pessoas de vez, então foi um momento muito delicado, mas que a gente já suplantou, já ressignificou a figura dessas pessoas no grupo e ai por isso que essa... comunicação é importante não é, porque de certa forma com a saída de Roberto outros líderes tiveram essa iniciativa e puderam puxar cada um, então a gente distribuiu mais as funções, então foi uma reestruturação mesmo.
JOSEANE: - Um momento de percepção.
FRANCISCO: - Exatamente!
JOSEANE: - Bom Francisco, as perguntas acabaram... quero agradecer, parabenizar o grupo. Eu não sei, se principalmente por ser de interior e ver a labuta (risos) de uma pessoa que tem que fazer tudo, que eu me sinto muito orgulhosa de ver que existe um grupo em Salvador que há 11 anos carrega uma bandeira dessas! Porque não é fácil fazer Teatro, Teatro Sertanejo, Sertanejo? Sertanejo! Dentro de uma cidade grande!
FRANCISCO: - Com certeza!
JOSEANE: - Porque é outro olhar, é outra visão, é a maneira que as pessoas falam, é a maneira que as pessoas enxergam. Colocar como menor, de mais longe, de pequeno porque tá chegando no grande! Por isso eu acho que vocês dominaram, que vocês viraram tubarão no mar, e eu acho que o caminho é por ai... Muito Obrigada!
FRANCISO: - Eu que agradeço a oportunidade! Estamos ai! Qualquer coisa...

E assim encerramos nosso dialogo, tiramos algumas fotos usando como plano de fundo o céu frente a grande janela da escola de teatro, o corredor amadeirado do casarão e nos fomos com promessa de trocas de contatos.


Um trecho de tarde proveitoso, cheio de aprendizagem e trocas... muito contente em conhecer um grupo que conseguiu mover as raízes!

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Entrevista com Dani Lima


Entrevistada:
Dani Lima, dançarina e coreógrafa, sobre a função de diferentes materialidades nos processos criativos da sua Cia de dança. Concedida ao Grupo de pesquisa CELULA PIBIC/UFBA, durante sua passagem pelo FIAC 2013 em Salvador-Ba.

por Alex Nascimento


O que você entende por materialidade?


Dani - Pergunta difícil esta...Materialidade...
Acho que tem haver é... Com a ideia da matéria da matéria envolvida numa certa coisa ,num objetivo, numa prática, é mais fácil falar concretamente ,por exemplo dança. Que é um conceito que usa muito os bailarinos, Ah! tá faltando materialidade aí, quando você está trabalhando com o corpo e buscando uma certa qualidade  de movimento e que não é  você  representar aquela qualidade de movimento.
É você trabalhar sobre uma potencia que já esta ali, seja ela, por exemplo ,trabalhar sobre o peso do seu corpo,uma materialidade concreta não é você representar  aquela qualidade do movimento
Fisicalizar?
É mas você pode fisicalizar de muitas formas, você pode  fica representando uma coisa, ressaltando aspectos simbólicos ou  mas você pode ressaltar a materialidade, uma coisa da própria matéria que constituía quilo, peso. tamanho, volume tamanho  textura,(Quer  ir lá pra dentro ?É com você.)E... corpo qualidade de movimento, textura áspero é macio, é pesado leve , amplo, é este lugar
E a relação dos objetos com o corpo?
Eu nem acho que a gente  neste trabalho explora a materialidade dos objetos não. Acho que a gente explora mais... No  trabalho dos verbos, ali  tem um trabalho de materialidade, cada verbo evoca a materialidade  de um movimento próprio, o verbo é uma ação mas o que ele  gera no corpo é esta qualidade aí, entende?
Tem uma aula que eu dou, que eu estou dando improvisação com objetos, que a gente trabalha  a qualidade  de movimento, tem a ver com isto trabalho  com vários objetos  para trabalhar a qualidade do movimento, a gente trabalha com vários objetos, peço a eles para trazerem, mas tendo em vista mais a materialidade do objeto do que  o seu significado ou  função ,então (pega uma garrafinha que estava na mesa no Cabaré dos novos do TVV),pega uma garrafinha da minha vó, ou isto serve para fazer não sei o que .Não, pegue  a  materialidade  do objeto, a forma, o peso o tamanho a textura, é isto que vamos trabalhar  e não se isto serve para botar flor ou beber água, então é a  materialidade disto aqui, e ai é...Ela é oca por dentro, é fria,tudo isto estamos falando de matéria, como esta ... Matéria  é dura é  fria tem uma forma ,comprida, é oca, tem um dentro,estamos falando disto, desta matéria e como ela se apresenta. E a gente poderia pegar e trabalhar isto, então a gente faz um trabalho  de olhos fechados no inicio...(alguém a cumprimenta)  trabalhamos  de olhos fechados, cada um traz o seu objeto e  vai passando de mão em mão, todo mundo de olhos fechados  para acessar estes lugares, em vez de ver os objetos, que a gente fica logo pensando ...já faz associações, pensa na  função, já vem história, associação, simbolismo e tudo mais, então para despertar esta materialidade vai passando de mão em mão para despertar, você  sente o peso, com a mão, você  não olha. Você sente os detalhes da superfície se é áspera ou não, você percebe esse...  se é oco ou não, mas de olhos fechados. 

2- Descreva um pouco sobre a estética de trabalho do seu grupo? Como vocês trabalham, desenvolvem o percurso criativo, no que acreditam? Como trabalham como essa materialidade no processo e na construção da cena? Como o grupo vê o uso de materialidade no processo criativo? Quais os objetivos?


Eu- Mais ou menos o que  você  está colocando, né?

Dani Lima - Sim/Não, neste trabalho aqui, são dois trabalhos .Você viu, o adulto ? È interessante  o adulto não tem um objeto  é só corpo e agente busca justamente a materialidade do corpo ,como esta matéria  è expressiva, todo o projeto dos 100 gestos,projeto de pensar  o quanto o corpo produz comunicação, sentido, significado, como produz um jeito, o jeito de estar no mundo, sempre é uma atitude em algum sentido, sempre é um projeto de mundo ,é uma bandeira seja ela qual for, mas produz pelo jeito como ele se organiza de pé, em postura, como ele olha, se ele olha mais, se olha menos, se olha  para fora ou para dentro, como ele se move, que peso, que qualidade desse movimento tem? Tem a ideia de um  gesto é uma coisa que da um colorido ao movimento. Se agente pensar assim Correr é uma ação...Este correr, mas cada vez que a gente corre é um gesto diferente ,correr atrás de um ônibus  é um gesto, fugir do ladrão é um OUTRO  correr, este correr está colorido com  o outro gesto de uma intenção ,você  tem outra motivação, não são as mesmas corridas.(*Sempre em relação com circunstâncias, relação social ?) Sempre a gente nunca faz nada que não seja  com relação a alguma  coisa a gente sempre faz gestos ,quem faz movimentos  são astros máquinas, repetem é um deslocamento  de lá para aqui a gente só faz gesto, mesmo quando não temos consciência mas temos uma intenção, nem que seja uma intenção...piscar não é um gesto. Piscar...é mecânico,(*Mas só em pensar ,já se torna um gesto),é um  movimento .Falando da estética só para fechar, nos 100 gestos, no espetáculo para adulto, a gente tenta trabalhar ,sem  objetos, mas como se o corpo fosse objeto de várias materialidades que o atravessam, é então um trabalho de lista ,são muitas materialidades diferentes que as  vezes eles não se comunicam, é cada um diferente. São várias materialidades expressivas  distintas, mas não tem objeto, mas poderia ter. É que a gente não partiu para objetos mas poderia é que o  objeto ajuda a acionar esta ideia  de materialidade,..... Tem um livro muito legal chamado  Artífice, do Richard Sennet que  fala também da relação do trabalho manual  com o trabalho com o objetos, como isto nos forma, ele vai ter uma teoria...Do jeito que você  pega uma coisa e sua  capacidade de largar um objeto, parece  uma coisa banal, todo  mundo larga e pega as coisas, tem um aporte psíquico ...Tem gente que tem dificuldade de largar as coisas, tem o que pega sem pegar direito, tem gente que pega mais, tem quem pega com delicadeza ,tem gente que pega com força e milhares de coisas.Ele vai tecer uma longa filosofia  aí sobre esta ideia ,na verdade a nossa relação com o mundo começa com objetos e o primeiro objeto é o seio da mãe ,que a gente quer chegar, pegar, que  morder ,que pegar e tal, e depois as coisas ,crianças tem muito isto. Tenho uma filha pequena e não entendia porque ela pegava e largava e eu achava que ela estava sacaneando(risos) ,criança gosta de entender a materialidade ali oh ! “Se eu largar o negócio” ,..que a gravidade para a gente está compreendida para criança não. Que aquilo ali, eu largo e cai, é esta ideia de largar ,que eu tenho o poder sobre o objeto que ele cai, ele quebra ,então fui eu quem fez isto. E isto é a primeira relação com as coisas. Tem muitas histórias tão legais.(Tem que ficar com ele, o celular, assim, pode não está gravando nada já pensou)Tem um cara Frances ,trabalha com analise de movimento .Ele vaia falar de Gestos ele fala como a nossa formação anatômica muscular está relacionada a nossa vida psíquica  e isto tudo relacionada como a gente conhece e experiência  o mundo, dentro do mundo as pessoas os  objetos, as coisas. Ele fala por exemplo  que toda musculatura das costas ,dos ombros se desenvolve na pessoa  no momento em que  a criança esta passando pela fase de aprender a dizer não, o dos dois  anos, que é o momento em que ela se separa do mundo, ela já não é uma coisa igual ,ela percebe o objeto  como o outro, ela se separa e empurra ,então  o ato de empurrar desenvolve esta musculatura e há também  o ato de se tornar individuo. Quando você diz não, você diz eu não quero!  Eu acho bem interessante, assim com tem gente que tem uma musculatura muito forte, que tem uma negação muito trabalhada, e outras mais frágil, uma negação menos trabalhada, está tudo misturado na nossa formação, o objeto aí então como pensar o objeto aí, é só o objeto? Na nossa formação o objeto é só objeto, é livro que caiu agora, mas é gente também, no sentido, objeto é o que não é o sujeito, é o outro .



Como o grupo vê o uso de materialidade no processo criativo? Quais os objetivos?
Porque em fim, acho que sim mais talvez que no teatro, que é matéria ,você trabalha  o treinamento de dança, muitas vezes, não sempre  você fica representando coisas, e em dança contemporânea é o entendimento disto, né? Que é o peso, volume, intensidade, o fluxo, vão criando uma forma expressiva então você tem que dominar as qualidades do corpo, as diferentes qualidades expressivas que você pode gerar com seu corpo para poder ter um leque grande de expressão. Neste trabalho que você vai ver, esta palavra aparecia muito, você está indo... A gente trabalha com referencia certo? Carmem Miranda, tem uma menina que trabalha sobre o gestual de Carmem Miranda, como não fazer uma parodia da Carmem, não é ideia fazer um a parodia a ideia é tentar ver naquela materialidade  naquele jeito de organizar o corpo ,no jogo de ombro, na cintura alta que se desloca, nos primórdios do samba que estão ali. Aquele jeito, aquele sorriso, aquela mascara, aquele jeito de usar os braços e a cabeça, como o corpo se organiza ali, aquilo é  a materialidade daquele corpo e trabalhar sobre isto, é claro que você está se alimentando  sobre a imagem da Carmem o desejo ou  o impulso de ..representar e parodia-la é enorme. A gente faz isto o tempo inteiro, mas aí  a gente fica tentando focar   na materialidade que tem ali, e trabalhar em cima disto, porque é uma fronteira muuuiiiiiiiiito (dando ênfase) delicada entre a representação, que  a gente chama de representação, porque tudo é representação mas assim... Fazer a parodia, a representação e você está envolvido na materialidade daquele negócio ali ,é quase que impossível que uma coisa não alimente a outra, é impossível, porque você fica naquele imaginário...É que o entendimento não é  por aqui(mente)..Estava conversando uma coisa que tem a ver com este trabalho, você conhece uma pessoa muito, você conhece o jeito dela ,você se relaciona muito  e vai falar dela e você vai falar (-Ai ele me falou assim ..Traralálá) você faz igual ao jeito desta pessoa, você está mimetizando  materialidade daquele corpo.. é um jeito de corpo, com emissão vocal.com jeito de se colocar aquilo tudo junto ,( me lembra um a música uma coisa sua que ficou em mim) mas é mas o trabalho dos cem gestos é sobre isto, as coisas que ficaram nas pessoas como estas matérias corporais que ficaram nas pessoas.. e  é isto .




Essas materialidades traduzem o trabalho do grupo e são indispensáveis no processo?
Sim


Você acha importante o uso de materialidades em um percurso criativo? Por que?
Depende do processo, depende de onde quer chegar ,nos cem gestos  por exemplo praticamente a gente não usou  objeto, a gente trabalhou sobre a matéria corpo, aí e olhando isto o jeito daquele corpo se mover, mas já trabalhei muito com objetos, já trabalhei com objetos feitos por uma artista plástica que eram caixas de madeiras com buracos que você enfiava as mãos, os braços a perna os olhos o nariz e  ia produzindo  recorte(Qual? ) falam  as partes do todo? Um trabalho que foi pra Salvador (onde acho?). Acho que em três trechos no meu site.
O grupo considera o processo de montagem de caráter lúdico? Por que?
Trabalho sempre ,na verdade nem coloco como categoria, trabalho sempre com jogos com brincadeira e acho que ajuda a acionar lugares de memória, uma via mais viva pro ator pro bailarino ,que não é uma via cerebral de construção  que ele  acha que é, mas como ele vive aquilo ali, como ele sente, como ele adapta para ele, então eu sempre trabalho com  processo lúdicos, eu acho importante para qualquer processo criativo, poder brincar mesmo.