Entrevista com:
Francisco André
Membro do grupo de Teatro Finos Trapos.
por Joseane Santana
Numa
tarde ensolarada, um bate papo com Francisco André Sousa, ator, dramaturgo e
professor, que há 11 anos faz parte do grupo de teatro Finos Trapos. Sentados
num canto do casarão da Escola de Teatro, iluminados pela luz da grande janela
ao nosso lado, conversamos durante pouco mais de 30 minutos, o celular nos
ajudou na gravação do diálogo, que correu solto e tranquilo...
FRANCISCO:
- Então, sou Francisco André, membro do grupo de Teatro Finos Trapos, estou
terminando a pós-graduação agora aqui na UFBA, que tem relação com a pedagogia
do teatro.
JOSEANE:
- Francisco, o que é que você entende por materialidade no teatro?
FRANCISCO:
- Materialidade, particularmente eu acho que materialidade é uma das
propriedades mais interessantes do teatro, porque como sou dramaturgo também,
eu acredito que o texto dramático, ele é em si uma arte, mas o teatro em si, o
fenômeno teatral sem essa materialidade ele não existe, não é? É importante e é
interessante que todo o encenador ou todos os atores pensem em como que o espetáculo
ganha corpo, como que o texto ganha corpo, como a dramaturgia que não é só o
texto dramático, a luz, o som, tudo isso ganhando forma na cena, eu acho que
essa é uma especificidade do teatro, que lida com o efêmero também, e que é
fundamental, pra mim é um dos pilares, o como o teatro se materializa para mim
é fundamental, é... é... uma das bases de tudo que eu acredito como artista.
JOSEANE:
- E o que você entende pelo termo fisicalizar?
FRANCISCO:
- Fisicalizar. Eu acredito que quem fisicaliza, e isso eu falo como professor,
não só como ator, mas o encenador, o dramaturgo que já participou como ator vai
ter mais propriedade para entender como isso chega no ator, no interprete.
Então fisicalidade para mim é também uma forma de materialização do teatro,
como que eu posso traduzir em palavras, ideias no corpo e como que esse corpo,
ele está preparado pra, pra aguentar esse espetáculo. A gente teve no meu
grupo, por exemplo, um espetáculo chamado Genésius que estreou em 2009, que tinha
quase três horas de duração e uns princípios de corpo baseados na
pré-expressividade, em Eugênio Barba. Então os atores ficavam o tempo todo em
desequilíbrio, em posições desconfortáveis, tinham que pular, subir baús, descer
baús e se movimentar, então esse corpo que é, que foi utilizado no espetáculo,
deveria estar preparado. Sem pensar esse corpo, se a gente não pensa como esse
corpo vai se materializar no espaço, a gente não consegue concebe uma ideia. E,
o teatro é isso, o teatro é a fisicalização de uma ideia, de ideias não é? É o
diferencial do teatro, que o contato direto com o público, é um ator; é... Grotowski
mesmo já dizia que o teatro só pode acontecer, quando existe um espectador e um
ator, então é um dos grandes pilares, e não é a toa que cada vez mais o teatro,
ele está colocando o ator em primeiro plano, o corpo em primeiro plano. É...
antigamente, fazer um bom teatro, ser um bom ator, era o ator que falava muito
bem, que tinha uma oratória muito bem trabalhada, hoje em dia é justamente o
oposto, é o ator que tem o corpo muito bem estruturado. Então é fundamental, e eu
acredito também que é fundamental.
JOSEANE:
- Francisco, como é que você descreveria a relação dos objetos em palco, com os
corpos em palco?
FRANCISCO:
- Sim, é, eu falo muito isso com os meus alunos, de iniciação, que assim,
muitas vezes a gente como encenador, como um artista iniciante a gente começa a
pensar os elementos da cena como gosto pessoal do artista, eu gosto de verde,
então eu vou colocar verde no cenário, e não é assim! Pra mim todo o material
cênico, tudo que é de adereços, que vem a ser acessório do espetáculo, é também
uma forma de comunicação, tudo ali são signos, o teatro ele é, é ... Renata Pallottine,
algumas dramaturgas falam do texto, da textualidade do teatro, que não é só
simplesmente o verbo, mas texto é mensagem, então o corpo, a iluminação, o
corpo, os adereços, tudo que é disposto em cena e está emitindo um código, um
texto. E se nós artistas colocamos isso de qualquer maneira vai ser desnecessário,
vai ser só acessório, Se o teatro é uma das coisas fundamentais que falei no
inicio, que é o ator e o espectador, tudo que eu coloco a mais sem um sentido
vai esvaziar do sentido teatral, então tudo tem que ser bem pensado. Se não
existir um pensamento por trás disso, acaba que perde-se o sentido do que a
gente fala do discurso cênico, não vai existir um discurso cênico, é...
elaborado, direcionado.
JOSEANE:
- E você acha importante o uso da materialidade no percurso criativo? Por quê?
FRANCISCO:
- Isso é uma das coisas que principalmente a gente do teatro, que acredita no
teatro de grupo defende muito, que é o seguinte, muitas vezes a gente pensa,
é... tudo que é material, tudo que é o cenário, os adereços, , tudo que é acessório,
os elementos da cena, como últimos elementos que entram na encenação, primeiro
tá sempre o ator e o diretor, e tudo vai sendo composto depois, só que de certa
forma a gente desprivilegia a criação, então tanto a produção, como a
construção do figurino, a construção de cenário, tudo tem que ser passo a passo
com a cena, enquanto a gente está erguendo o espetáculo na sala de ensaio, a
gente também precisa estar erguendo esses elementos, não é? E aí, isso sublinha
a importância, porque se a gente deixa para a última hora, a gente não vai ter
tempo de pesquisar, de ver quais são os... por exemplo, no figurino, que
material vai afetar mais na iluminação, se não existe uma pesquisa, que vem
acompanhando a cena, ai a gente pode pensar num figurino que é lindo,
maravilhoso, mas que no corpo do ator, o deixa totalmente desconfortável, ou
então não comunica a ideia do que a gente que fazer.
JOSEANE: - Francisco,
aproveitando que você tá falando de figurino, de cenário, você consegue
descrever para mim um pouco da estética do trabalho do seu grupo?
FRANCISCO: - Sim
JOSEANE: - E,
como é que vocês trabalham, desenvolvem o percurso criativo, em que vocês
acreditam?
FRANCISCO: - É,
o Finos Trapos agora, a gente está num momento de transição estética também,
forte. E na verdade isso vem de um mergulho; o grupo ele lida muito com a
pesquisa, a gente... um dos pilares do grupo é a pesquisa cênica, é... a gente
começou com a estética de sussurros, por exemplo, que não teve relação muito
direta com os outros espetáculos que era mais baseado no contemporâneo, na
estética da urbanidade e tal, que é uma coisa que meio que fugiu dos trabalhos
posteriores. É, a partir de 2005
a gente começou a entrar nesse universo da Cultura
Popular, a maioria das pessoas do grupo são oriundas do interior do estado, de
Vitória da Conquista alguns, outros são de Feira de Santana, então existia um
imaginário sertanejo, popular, esses valores regionalistas muito fortes, e
assim é... a estética do grupo surge exatamente quando a gente vem para a
universidade, que a gente vem para Salvador, que é uma capital cosmopolita,
antropofágica, tudo que chega aqui ganha inúmeros códigos e a gente em do
interior que tem uma, de certa forma, tradicional, tradicionalmente fechado
para algumas coisas, então esse conflito quando a gente chegou, e viu que em
Salvador a maioria dos grupos tem uma relação muito forte com a...
africanidade, com os elementos da Cultura Africana, que destoa um pouco do que
a gente veio, do que é a... do que veio a nossa formação... E ai a gente como
grupo se constitui exatamente dessa inquietação, de como fazer um teatro que
defenda os ideais que a gente faça, porque o Teatro do Bando já é consolidado,
e é maravilhoso, mas o que a Finos Trapos tem a dizer? E a partir de que
elementos estéticos? E aí foi que a gente começou a mergulhar na cultura de
tradição popular do Sudoeste baiano, nesses elementos ligados ao sertanejo, a
cultura católica, patriarcal; então vários dos nossos espetáculos falam sobre
isso, sobre esses elementos, mas assim, respondendo a segunda pergunta, o que é
que impulsiona o grupo, eu acho que muito além de uma estética é o trabalhar
junto, na verdade a gente se escolheu, a gente se conhece há um bom tempo. Começamos
a fazer, a maioria, teatro juntos lá em Vitória da Conquista, então a gente
quando veio pra cá foi uma... o que impulsionou a vinda para Salvador foi
justamente a necessidade de se aperfeiçoar e tal, a gente não queria perder o
vinculo, que tem muita gente que chega não é, e sozinho, e cada um quer seguir
seu caminho e a gente não, a gente não queria perder o vinculo e aí de certa
forma, a gente se reuniu pra isso e pensando em resgatar mesmo tudo aquilo que
a gente já trabalhava em Vitória da Conquista. Então é mais ou menos esse o
imaginário e agora a gente tá num momento de não abandonar, não é que a gente está
abandonando esses ideais da cultura de tradição e tal, mas a gente está
dialogando, e ... hoje o objetivo não é fixar certos clichês, certos
estereótipos, é justamente de ... a pesquisa, esse conceito da pesquisa ajuda
muito a gente, porque de certa forma essa tradição ela vai se contaminando com
o tempo e vai se mudando. Por exemplo, a gente tá num novo processo de
montagem, que vai estrear esse ano que a gente está dialogando tanto esse
imaginário do sertão com a estética do realismo fantástico, que vem lá... é uma
cultura mais da America Latina com Gabriel Garcia, e que de certa forma traz
muitos elementos que dialogam com a cultura popular do Brasil. São pontos, a
gente está vendo que elementos dessa estética podem dialogar com o que o grupo
já faz, e quais as inquietações novas do grupo. Então é isso, a gente tá sempre
se renovando.
JOSEANE: - É,
e como é que vocês trabalham com a materialidade no processo de construção das
cenas, dos espetáculos, da própria pesquisa.
FRANCISCO: - A
gente trabalha com núcleos, todo é... a gente tem um certo clichê de grupo que
vem da criação coletiva, que todo mundo faz tudo ou todo mundo sabe de tudo,
não! Todo é... as pessoas do grupo, a gente, cada um se especializa no que mais
gosta de fazer, por exemplo, eu gosto muito de escrever e gosto muito de
dramaturgia, então eu passei a fazer parte do núcleo de dramaturgia do grupo.
Assim como outras pessoas, como Roberto, como Frank, quem gosta muito da seara
da produção se encaixa mais no núcleo de produção, e ai vai contribuindo a
partir das suas especialidades, então Yoshi é mais do
visual, do elemento visual da cena, e ai é...
a gente vai colaborando, ele puxa, é como se ele fosse um coordenador e
é ele que propõe os desenhos de cenário, de figurino e aí a gente compra a
ideia, discute... Aperfeiçoa e ajuda a executar, cria estratégias para aquilo,
então é... importante ressaltar também que a gente não trabalha só para
espetáculos, então esses núcleos estão trabalhando independente de ser para um
projeto de espetáculo específico, então as vezes a gente não está com o
projeto, mas a gente está dando oficinas internas, ou oficinas com convidados, está
sempre nutrindo o grupo e busca-se a materialização se dá justamente nessa
articulação entre esses núcleos e o grupo como um todo, por isso que a gente
trabalha com o processo de colaboração.
JOSEANE: - Me
diz assim como é que o grupo já seria bem mais amplo, como é que o grupo
enxerga, você até já respondeu de certa maneira, como é que o grupo enxerga
essa materialidade, materialização dentro do processo criativo, além dos
núcleos, a gente pode pensar no processo novo, agora de vocês, como é que ele,
o grupo, pelo menos respondendo parcialmente, como é que o grupo vê isso?
FRANCISCO: - Sim,
sim, primeira coisa, a gente sempre, em todo processo de criação a gente tenta
é... buscar uma rotina de trabalho, cada espetáculo vai criar uma rotina, pra
quê? Pra que a partir dessa rotina a materialização comece, a criar,
consciência de tentar criar uma atmosfera criativa, para que as coisas comecem
a fluir, então esse PE um procedimento que desde os primeiros espetáculos a
gente vem fazendo. E ai tanto no sentido de corpo, numa preparação de corpo,
numa rotina de aquecimento, de alongamento, e também uma rotina de
improvisação. Então cada processo vai de certa forma condicionar a forma como
essa materialização vai ser efetuada, então... mais assim, uma dos pilares é,
quase nunca se começou por um texto, o grupo trabalha com o processo de
autoria, a gente já trabalhou com alguns textos prontos, como o Auto da Gamela,
por exemplo, mas assim, a gente abandonava esse texto, ia pra cena, depois da
cena, depois de um determinado tempo, em que algumas células estavam
materializadas é que a gente vinha, pegava o espírito da obra e depois que vinha
o texto, não é? A gente não tem como alguns grupos ou alguns diretores que
acabam fazendo trabalho de mesa, de ir pra mesa bater o texto e depois ir pra
cena, é justamente o oposto. A gente começa na cena, materializando a cena e
depois vai ao texto, ou o texto vai surgindo, vai escrevendo, como a gente tá
fazendo agora, os atores improvisam, eu como dramaturgo, eu, eu... proponho um
conto ou uma celulazinha de cena, eles improvisam e a partir da improvisação a
gente fixa o texto, entende? E isso acontece não só com o texto, to falando do
texto, porque como eu sou dramaturgo, é mais a minha seara, mas com qualquer um
dos elementos da cena, com figurino, com maquiagem é sempre assim.
JOSEANE: - Vocês
já começaram um processo usando objetos ou usando uma música? Você falou do
inicio com o conto, vocês já começaram usando alguma coisa além disso?
FRANCISCO: - Olhe,
música, a gente usa muita música, o grupo é muito musical, então... é...
inclusive a gente está fugindo um pouco disso agora, essa estratégia mesmo dos
contos, como a gente tá trabalhando com o texto que é de Gabriel Garcia Marques
que é um texto que já existe, é um conto, não é literatura dramática. Mas ai a
gente pega uma parte desse conto e leva pra cena, mas já aconteceu, por
exemplo, da gente usar músicas, usar imagens... A gente tem um processo que é
de debater conceitos, por exemplo, quando a gente já começa; existem várias
formas de começar um processo, uma delas, por exemplo, é eleger um tema, a
gente quer falar sobre... é... sobre sexualidade, então a gente vai ler sobre
esse tema, vai ver alguns artigos, algumas matérias de jornais, então são
elementos que vão enriquecer esse imaginário pra depois se materializar. Então
são várias estratégias, não existe uma única assim, como eu falei, cada
processo, se você quiser eu posso descrever cada processo, de cada espetáculo,
cada um é bem particular, então a cada decisão... Se o que a gente quer montar,
é um texto pronto? A gente vai estudar esse texto. É um tema, é um imaginário?
Como foi Genesius, a questão da meta linguagem do ator, do processo de criação
a gente vai mergulhar nesse tema, vendo vídeos, cinema, ouvindo músicas,
contos, muito rico, cada processo é... de certa forma, ele se rege...
JOSEANE: - E...
eu já me perdi totalmente nas perguntas! (Risos) É, você, eu acredito por estar
ouvindo você, que essa pergunta é até repetitiva. Todas essas materialidades
que você citou, traz como materialidade, você diria que elas traduzem o
trabalho do grupo, que elas são indispensáveis para o processo de vocês?
FRANCISCO: - Sim,
sim... Absolutamente, porque a gente até já publicou alguns textos dramáticos
dos processos do grupo, mas ainda assim isso não diz. Se você ler, por exemplo,
saindo até um pouco do grupo, mas... vendo fora assim, tipo ... Édipo Rei!
Édipo Rei ele traz um imaginário, mas cada montagem, não é? Cada montagem que a
gente vê, se a gente vê Luiz Marfuz montando Édipo Rei a gente vai ver uma
materialização diferente, um discurso cênico diferente, uma poética de
encenação diferente, e outros diretores, então isso no grupo é fundamental,
porque é a marca. A materialização, como o espetáculo se materializa é de certa
forma como a identidade do grupo se idealiza, se materializa. Então sem isso
com certeza os Finos Trapos não seria os Finos Trapos, assim como A outra não
seria A outra; e eu acho que é uma busca de todo grupo de teatro, é justamente
essa contradição na verdade, entre as suas marcas, as marcas que definem o
grupo e o que o grupo quer de renovação, é... sair da tradição dos cânones e
sempre ir buscar o novo, o novo, então como, é um paradoxo na verdade não é?
Como é... manter a tradição, os rituais tradicionais e se alimentar, se
retroalimentar, não se repetir, esse é um grande desafio, mas eu acho que é...
traduz sim, tudo que a gente construiu hoje de espetáculo, tanto bom, como ruim,
e a gente é muito autocrítico nesse sentido de ver, por exemplo, que Genesius
foi muito bom e Berlindo, que é o último não foi tão bom, ou que de certa forma
não traduzia as nossas inquietações, então tudo isso, até a forma, a decisão de
que esse espetáculo continua ou não, parte daí, porque o teatro é sempre uma
ideia, não é? A gente começa, é um ponto de partida depois que essa ideia se
materializa, sim a gente, isso traduz a gente, essa materialização do que foi a
ideia traduz a gente ou não traduz? Se traduzir, enquanto continuar traduzindo
a gente vai continuar em cartaz, e quando não traduzir mais a gente para, não
é? Ai, tá por ai, ai ... um grande exemplo. O Grupo Galpão que tem 25 anos de história,
mas que no seu repertório atual tem três, quatro espetáculos... Então chega um
momento que a... se esgota essa paixão pelo espetáculo , ela se esgota! E é
natural! Ai você parte para outras, ... outras formas de materializar, podemos
dizer assim.
JOSEANE: - É...
eu estou começando a achar que as minhas perguntas estão todas repetitivas
(risos).
FRANCISCO: - Não,
estão ótimas...
JOSEANE: - É...
você acha que o grupo, o grupo em si, você não... o grupo considera o processo
de montagem de vocês lúdico?
FRANCISCO: - Lúdico?
JOSEANE: - É.
Lúdico!
FRANCISCO: - Depende,
é assim... lúdico sempre é, porque é sempre encantador, a gente faz teatro pela
ludicidade, a gente... é... muito difícil a gente se vê, o grupo Finos Trapos
se ver fazendo por obrigação, a gente não faz por obrigação, então é lúdico, é
prazeroso, é gostoso, é ... ao mesmo tempo que o elemento jogo, o elemento da
ludicidade está muito, é uma... eu acho que de qualquer, não só do grupo, mas
de qualquer procedimento criativo, a ludicidade é muito, ela é o que a gente
chama de dispositivo, muito bom, né? Porque é de certa forma como a gente dá,
materializa uma ideia sem ser racional, no sentido de tentar condicionar,
deixar... é... e ipsilítere, eu quero que a ideia seja assim, porque a gente pode
pensar, por exemplo, em.. eu quero que chova no meio do espetáculo, mas ai a
gente chega na hora da materialização, não consegue, porque não tem os recursos
pra aquilo, então os jogos de improvisação, os jogos lúdicos de certa forma vão
dar outras possibilidades, vão racionalizar ou dar outras possibilidades para
aquela ideia acontecer. Então, é sim! Todo processo do grupo é lúdico, mesmo
quando é um espetáculo denso, que é dramático, mesmo que o tema do espetáculo
seja um tema difícil como esse que a gente tá trabalhando agora que é
exploração sexual infantil, então o tema não é nada de lúdico, mas para o
processo de criação a ludicidade, ela é fundamental, não é? Para criar, para
que até essa densidade, para que ela não fique no clichê, no corta pulso.
JOSEANE: - Francisco,
você falou pra mim um pouquinho sobre o texto, e que você é dramaturgo, que
você faz parte do núcleo de dramaturgia do grupo.
FRANCISCO: - Sim.
JOSEANE: - É,
eu queria que você falasse um pouquinho, como é inserido, e você falou até um
pouquinho, mas como é inserido o texto durante o processo, como é que ele é
utilizado, se você considera ele como materialidade e onde é que se encontraria
a ludicidade dentro desse texto.
FRANCISCO: - Sim,
É... é... eu tenho essa visão de... é uma materialidade sim! O texto em si é
teatro, o texto dramático ele não é teatro, ele é um texto... literatura
dramática, é algo material, palpável, inclusive concordo com alguns diretores,
que algumas montagens, por exemplo, até estragam o texto, não é? Porque eu sou
apaixonado por texto, no sentido de ler mesmo, de nossa... Édipo Rei eu fico
ali, quando a pessoa tá fazendo a montagem eu já sei de todo o texto, porque eu
sou apaixonado pelo texto, então é... existe a materialidade, mas também existe
a materialidade da encenação, então como esse texto dramático vai dialogar com
essa encenação é o que é o interessante. E ai é um meio termo, é... o texto,
ele não pode ser...aberto... ele não precisa ser abandonado completamente, mas
ao mesmo tempo que é, quando a gente fala de dramaturgia, quando a gente fala
dele, a gente fala do todo, não é simplesmente o texto em primeiro lugar. No
caso do grupo Finos Trapos o texto nunca é o primeiro plano, a encenação é o
primeiro plano e ai depois emerge o texto dramático. É... esse diálogo é que é
a nossa viagem, é justamente esse diálogo. E por isso é que a gente não tem
como ponto de partida a leitura do texto. A gente sempre faz o movimento
oposto, porque é através da fisicalização deste texto, é que essa materialização
vai ocorrer. E... também é lúdico, porque como eu falei, eu sinto prazer em ler
um texto dramático, ao mesmo tempo que eu sinto prazer em vê-lo ganhando corpo.
Principalmente para o dramaturgo, é uma das coisas que o dramaturgo mais adora
é (risos) ver o seu texto sendo encenado, e outra, agora é diferente, como eu
falei, o dramaturgo idealiza um texto e faz inúmeras cenas na encenação, o
próprio diretor tem autonomia, o grupo tem autonomia de cortar cenas ou de
modificar, de improvisar novas possibilidades, então é entender que como
dramaturgo e talvez como leitor também, que aquele texto que está sendo lido,
que aquele texto que tá ali fixado, ele, ele não é imutável, entendeu? Ele não
é a palavra final de ordem, ele é um elemento como a luz, como qualquer outro,
e que pode sim a partir da montagem ser modificado completamente.
JOSEANE: - Bom!
Pra gente terminar, e eu te deixar em paz (Risos)!
FRANCISCO: - Oxe!
Relaxe!
JOSEANE: - Qual
é a relação dos membros do grupo, do elenco? Agora que eu já sei também.. dos
núcleos...
FRANCISCO: - Sim
JOSEANE: - Depois
eu até queria que você falasse pra mim se vocês participam de mais de um núcleo
ou se cada um só faz um núcleo, já falando nessa relação, e se vocês acreditam
que essa relação, você no caso não é? Respondendo pelo grupo... Se vocês acreditam
que essa relação, ela afeta na construção do espetáculo, ela afeta na formação
do grupo. Eu acho que no grupo você já me deixou bem claro que sim, não é?
FRANCISCO: - Sim,
demais!
JOSEANE: - Vocês
escolheram estar juntos, e por quê? Em que ela afeta? De que maneira ela afeta?
FRANCISCO: - Demais!
Assim a relação do grupo, é uma relação até complicada, muito complicada,
porque relação pessoal e relação profissional elas se imbricam totalmente
assim, então a gente se... é um grupo que é diferencial até porque muitos
grupos não são assim, que estão ali a trabalho e cada um vai para sua casa, mas
não a gente tem a vida pessoal muito relacionada, então isso afeta demais,
diretamente... O processo, porque imagine... eu estou ali em um processo de
criação, nem estou falando na cena mesmo, mas na construção do espetáculo,
então você está ali com seu espírito criativo que tem que estar sempre aberto,
e ai você tem que... ai você acabou de discutir pessoalmente com o colega,
certo? Então não tem como não influenciar, é claro que existe o limite do
profissionalismo não é, mas é... isso interfere positivamente e negativamente
... eu diria que de certa forma é uma, é até uma forma de auto ajuda esse
conhecimento do grupo, porque? Porque como a gente convive há muito tempo, a
gente sabe até dos vícios, é e a gente tem essa compressão de que não é só o
diretor, o encenador que dá a palavra, e ai vem do processo colaborativo, por
exemplo, se a gente tá percebendo que o colega não está correspondendo com a
cena, ou se você tem uma ideia para iluminar, a cena tá em crise e ai você tem
uma ideia que pode ajudar, a gente tem todo o espaço pra isso, então é um
espaço muito propositivo, e já é uma resposta pra o que você falou dos núcleos,
é... os núcleos é uma forma só de é... racional de tentar se organizar, de
rolar uma tentativa de organização (risos), porque você imagine você produzir é...
e ainda encenar, é por isso que a gente não entra tanto em cartaz, porque o
grupo ele topou esse desafio da auto gestão, o que não é nada fácil... De
correr atrás de edital, de não ter uma pessoa especializada nisso, é o grupo
todo que faz, então de certa forma isso afeta até, porque quando a gente vai
pra cena, a gente já tá tão cansado dessa correria da produção, que de certa
forma o desempenho ele diminui ou pode aumentar, ou melhorar porque você tá tão
ali, você agarra muito mais. Exatamente!
Agarra muito mais o que você faz! Isso é lúdico? Sim! Existe... é um universo
que, como eu falei, que é difícil você separar, então não há um... tem momentos
que a gente está num ambiente profissional que a gente está soltando piada, que
a gente para o processo pra rir, pra falar da vida dos outros (risos), pra
falar da vida de cada um. Então tem muitas piadas internas, é um grupo meio até
hermético, porque quando as pessoas vêm trabalhar com a gente, de certa forma a
gente já tá, de certa forma já sabe como olhar e... com o olhar a gente já
percebe o que a pessoa pensa (risos), ou quando a gente está num momento de
produção mesmo, como quando a gente fez afinações, um problema aconteceu, eu to
lá falando, mas eu to aqui oh! Observando tudo! Então ninguém precisava falar,
dizer é... oh tá acontecendo alguma coisa! Ou então, olha o tempo! Corre com o
tempo! Através de um olhar a gente já se comunica. Então, isso é muito bom,
isso ajuda muito no processo criativo.
JOSEANE: - Quanto
tempo de grupo já Francisco?
FRANCISCO: - Dez
anos! A gente completou dez anos em junho do ano passado, esse ano vai fazer 11
anos do grupo.
JOSEANE: - Com
a mesma formação inicial?
FRANCISCO: - Não!
A formação ela modificou, hoje nós temos seis pessoas que são ativas em
Salvador e nós temos dois membros afastados, porque eles estão no interior, que
é Roberto e Thiago, Thiago não, Ricardo, Roberto tá na UESB em Jequié e Ricardo
tá em Vitória da Conquista; então a relação é meio complicada, por isso até que
a gente não volta muito com repertório, porque existe uma disponibilidade, que
é necessária e tal, e tem até Dane que é membro também afastada, mas que está
em São Paulo agora. Então sempre que têm projetos grandes, ai a gente faz toda
uma articulação pra a turma voltar e tudo acontecer, mas, por exemplo, o
processo de montagem agora, novo, são só com seis pessoas. Então o núcleo fixo
de produção e de articulação agora, são seis pessoas.
JOSEANE: - Então
são seis pessoas pra tudo?! É porque eu sou de interior também, então são seis
pessoas pra tudo!
FRANCISCO: - Exatamente!
JOSEANE: - Do
inicio ao fim!
FRANCISCO: - A
gente encontra alguns parceiros, que a gente chama de fino colaborador,
(risos), porque ele na hora do aperto, a gente tem... ou tem um projeto chama; mas
são seis pessoas pra tudo! São as pessoas cabeças assim, que administram tudo.
JOSEANE: - Nesses
dez anos já teve alguma coisa que aconteceu assim, que o grupo desandou, rolou
algum problema muito grande que desandou e vocês acharam, e agora vai acabar!?!
FRANCISCO: - Já!
Já! Várias vezes, várias vezes, isso eu acho que faz parte da dinâmica de
qualquer grupo, mas uma... uma... até recente agora, por exemplo, foi logo
depois de Genésius, foi em 2009, que Roberto que é o encenador, que era o
encenador de todos os espetáculos do grupo, porque ele foi aprovado no concurso
em Jequié e teve que mudar pra lá, e realmente não tem como ir e voltar sempre...
É... a vida pessoal e a vida coletiva, ela é... uma decisão pessoal ela implica
totalmente no coletivo. Então imagine, o encenador, que é a pessoa que você
confia, é a pessoa que... o líder de certa forma, o grupo não tem um diretor do
grupo, um diretor do grupo, existe um diretor artístico, um encenador que no
caso, quem cumpria esse papel muito forte era Roberto, então quando ele saiu a
gente ficou muito desestruturado mesmo assim, ai a gente teve que refazer, ressignificar
o grupo no sentido de... o que é que a gente pode fazer dentro das limitações,
tanto limitações financeiras... É... estruturais, de agenda, tudo! Então foi um
momento assim de... um choque muito grande, e ai até falo na minha dissertação
que Berlindo, que foi o último espetáculo que a gente fez em 2010, é um reflexo
disso. Porque foi justamente no momento em que o grupo estava nessa crise de...
o que é que a gente faz? Para tudo agora? Quem é que vai sair mais, quem não
vai sair? Então saíram duas pessoas de vez, então foi um momento muito
delicado, mas que a gente já suplantou, já ressignificou a figura dessas
pessoas no grupo e ai por isso que essa... comunicação é importante não é,
porque de certa forma com a saída de Roberto outros líderes tiveram essa
iniciativa e puderam puxar cada um, então a gente distribuiu mais as funções,
então foi uma reestruturação mesmo.
JOSEANE: - Um
momento de percepção.
FRANCISCO: - Exatamente!
JOSEANE: - Bom
Francisco, as perguntas acabaram... quero agradecer, parabenizar o grupo. Eu
não sei, se principalmente por ser de interior e ver a labuta (risos) de uma
pessoa que tem que fazer tudo, que eu me sinto muito orgulhosa de ver que
existe um grupo em Salvador que há 11 anos carrega uma bandeira dessas! Porque
não é fácil fazer Teatro, Teatro Sertanejo, Sertanejo? Sertanejo! Dentro de uma
cidade grande!
FRANCISCO: - Com
certeza!
JOSEANE: - Porque
é outro olhar, é outra visão, é a maneira que as pessoas falam, é a maneira que
as pessoas enxergam. Colocar como menor, de mais longe, de pequeno porque tá
chegando no grande! Por isso eu acho que vocês dominaram, que vocês viraram
tubarão no mar, e eu acho que o caminho é por ai... Muito Obrigada!
FRANCISO: - Eu
que agradeço a oportunidade! Estamos ai! Qualquer coisa...
E assim encerramos nosso dialogo,
tiramos algumas fotos usando como plano de fundo o céu frente a grande janela
da escola de teatro, o corredor amadeirado do casarão e nos fomos com promessa
de trocas de contatos.
Um trecho de tarde proveitoso,
cheio de aprendizagem e trocas... muito contente em conhecer um grupo que
conseguiu mover as raízes!